A melhoria da relação cidadão-administração, depende muito
da orientação para a cidadania das políticas públicas, devendo também
considerar-se o sentimento, a desconfiança e a diminuição de legitimidade do
sistema político e da própria administração. Esta realidade deve-se ao efeito
decorrente da prolongada situação de assimetria na redistribuição dos recursos públicos
e da injustiça evidenciada na desigual contribuição pública para o esforço
colectivo. O fosso presente entre o quadro legal que enforma a cidadania
portuguesa e as práticas sociais se traduz numa profunda desconfiança nas
instituições, no sentimento de que é inútil desafiar o sistema, e na incapacidade
do cidadão comum fazer valer os seus direitos. No processo de interacção dos
cidadãos com a governação devemos ter em conta que as relações entre eles
cobrem um vasto espectro de interacções em cada fase do ciclo das políticas públicas,
passando pelo agendamento dos problemas, pela própria concepção da política,
até à implementação e avaliação das mesmas, pelo que os graus de envolvimento público
vão desde a simples tomada de consciência pública das políticas e troca de
informação até à participação pública mais significativa nas escolhas governamentais,
de forma a um controlo crescente sobre a decisão. Os indivíduos e os grupos não
podem julgar a actividade dos decision–makers irrelevantes para os seus
destinos pessoais e colectivos. Pensar assim é permitir que outros indivíduos e
grupos podem influenciar e até, por vezes, moldar os destinos pessoais e
colectivos, decidindo a afectação dos recursos, apropriando-se das
oportunidades. Na verdade, o crescimento da taxa de participação não pode ser
desligado do reconhecimento adequado dos factores de politização das
necessidades e exigências sociais. As possibilidades de melhoria do
funcionamento da administração pública e da possível mudança de comportamento dos
cidadãos, no que concerne à coisa pública, assentam, sobretudo, na
implementação de estruturas de inserção dos cidadãos.
Quanto maior for o nível de satisfação das exigências e
necessidades dos indivíduos maior será, no futuro, o seu nível de participação.
Nas diversas formas de participação política, os indivíduos procuram
influenciar as decisões dos decisores, assim como as escolhas efectuadas e a
selecção dos que serão designados para as executarem, ou seja, as políticas
públicas. No que ao nível local diz respeito, a predominância dos conflitos
centrados em questões partidárias e na ideologização da vida local diminuem a
importância efectiva das orientações e acções que o poder autárquico possa vir
a tomar e a empreender. Por outro lado, o facto de não haver uma concepção do desenvolvimento
local e de a actividade camarária estar orientada para as acções imediatas influencia
o grau de participação e a própria percepção dos munícipes em relação à
possibilidade ou não do poder local ser capaz de atacar os problemas mais
centrais e permanentes das sociedades locais. A motivação eleitoral
circunscreve-se aos grupos próximos do poder, ou aos grupos mais empenhados
politicamente, não se alargando aos vários sectores da população onde, de todas
as maneiras, o interesse pelos resultados é maior do que pelas questões
político-partidárias.
Alguns estudos ajudam, mesmo, a explicar a fraca cultura de
participação política dos portugueses e o seu alheamento em relação à
participação na vida comunitária, um claro desinteresse pela vida colectiva e
uma crescente desconfiança em relação aos outros e às instituições. Os autores
que se debruçam sobre esta temática têm associado tais tendências, por um lado,
ao desenvolvimento de uma cultura individualista e hedonista e, por outro, à
crescente partidocracia e à multiplicidade de escândalos políticos com forte
cobertura mediática, desafios em larga medida também presentes noutras nações
democráticas.
Por assim ser, é que o cidadão só participa quando os
mecanismos de participação se apresentam credíveis, o assunto o interessa e,
acima de tudo, o seu círculo imediato pode disso tirar vantagens. A cidadania,
mais do que um movimento social de grande envergadura, constitui uma energia
social mobilizável com apelo à responsabilidade individual face a objectivos
respeitantes ao tratamento dos principais problemas quotidianos dos cidadãos, sendo
ao nível da administração local que a mobilização para a participação parece
revelar maiores potencialidades.
Os cidadãos precisam, sobretudo, perceber os benefícios que
podem advir da sua participação. Por outro lado, é preciso que existam
incentivos e sejam reduzidas as barreiras à sua participação. O modelo de
governação necessita de ajustamentos que permitam aos dirigentes a redefinição
do seu papel no relacionamento com os cidadãos e na implementação das políticas
públicas.
Autoria de Alcídio Torres no âmbito da sua tese de mestrado
Sem comentários:
Enviar um comentário