sábado, 8 de fevereiro de 2014

O poder local e os cidadãos...

A melhoria da relação cidadão-administração, depende muito da orientação para a cidadania das políticas públicas, devendo também considerar-se o sentimento, a desconfiança e a diminuição de legitimidade do sistema político e da própria administração. Esta realidade deve-se ao efeito decorrente da prolongada situação de assimetria na redistribuição dos recursos públicos e da injustiça evidenciada na desigual contribuição pública para o esforço colectivo. O fosso presente entre o quadro legal que enforma a cidadania portuguesa e as práticas sociais se traduz numa profunda desconfiança nas instituições, no sentimento de que é inútil desafiar o sistema, e na incapacidade do cidadão comum fazer valer os seus direitos. No processo de interacção dos cidadãos com a governação devemos ter em conta que as relações entre eles cobrem um vasto espectro de interacções em cada fase do ciclo das políticas públicas, passando pelo agendamento dos problemas, pela própria concepção da política, até à implementação e avaliação das mesmas, pelo que os graus de envolvimento público vão desde a simples tomada de consciência pública das políticas e troca de informação até à participação pública mais significativa nas escolhas governamentais, de forma a um controlo crescente sobre a decisão. Os indivíduos e os grupos não podem julgar a actividade dos decision–makers irrelevantes para os seus destinos pessoais e colectivos. Pensar assim é permitir que outros indivíduos e grupos podem influenciar e até, por vezes, moldar os destinos pessoais e colectivos, decidindo a afectação dos recursos, apropriando-se das oportunidades. Na verdade, o crescimento da taxa de participação não pode ser desligado do reconhecimento adequado dos factores de politização das necessidades e exigências sociais. As possibilidades de melhoria do funcionamento da administração pública e da possível mudança de comportamento dos cidadãos, no que concerne à coisa pública, assentam, sobretudo, na implementação de estruturas de inserção dos cidadãos.
Quanto maior for o nível de satisfação das exigências e necessidades dos indivíduos maior será, no futuro, o seu nível de participação. Nas diversas formas de participação política, os indivíduos procuram influenciar as decisões dos decisores, assim como as escolhas efectuadas e a selecção dos que serão designados para as executarem, ou seja, as políticas públicas. No que ao nível local diz respeito, a predominância dos conflitos centrados em questões partidárias e na ideologização da vida local diminuem a importância efectiva das orientações e acções que o poder autárquico possa vir a tomar e a empreender. Por outro lado, o facto de não haver uma concepção do desenvolvimento local e de a actividade camarária estar orientada para as acções imediatas influencia o grau de participação e a própria percepção dos munícipes em relação à possibilidade ou não do poder local ser capaz de atacar os problemas mais centrais e permanentes das sociedades locais. A motivação eleitoral circunscreve-se aos grupos próximos do poder, ou aos grupos mais empenhados politicamente, não se alargando aos vários sectores da população onde, de todas as maneiras, o interesse pelos resultados é maior do que pelas questões político-partidárias.
Alguns estudos ajudam, mesmo, a explicar a fraca cultura de participação política dos portugueses e o seu alheamento em relação à participação na vida comunitária, um claro desinteresse pela vida colectiva e uma crescente desconfiança em relação aos outros e às instituições. Os autores que se debruçam sobre esta temática têm associado tais tendências, por um lado, ao desenvolvimento de uma cultura individualista e hedonista e, por outro, à crescente partidocracia e à multiplicidade de escândalos políticos com forte cobertura mediática, desafios em larga medida também presentes noutras nações democráticas.
Por assim ser, é que o cidadão só participa quando os mecanismos de participação se apresentam credíveis, o assunto o interessa e, acima de tudo, o seu círculo imediato pode disso tirar vantagens. A cidadania, mais do que um movimento social de grande envergadura, constitui uma energia social mobilizável com apelo à responsabilidade individual face a objectivos respeitantes ao tratamento dos principais problemas quotidianos dos cidadãos, sendo ao nível da administração local que a mobilização para a participação parece revelar maiores potencialidades.
Os cidadãos precisam, sobretudo, perceber os benefícios que podem advir da sua participação. Por outro lado, é preciso que existam incentivos e sejam reduzidas as barreiras à sua participação. O modelo de governação necessita de ajustamentos que permitam aos dirigentes a redefinição do seu papel no relacionamento com os cidadãos e na implementação das políticas públicas.
Autoria de Alcídio Torres no âmbito da sua tese de mestrado

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